Filho de Pietro e Dona Pica Bernardone, Francisco nasceu entre 1181 e 1182 , na cidade de Assis, província da Umbria no centro da Itália. Seu pai era um rico e próspero comerciante de tecidos, que viajava frequentemente em negócios principalmente para França, de onde trazia a maior parte de suas mercadorias. Foi de lá também que ele trouxe sua linda e bondosa esposa, Dona Pica. A mãe de Francisco, foi de facto a mulher da sua vida e foi ela que emocionado muitas vezes invocou. Francisco sempre nutriu uma atenção e um carinho especial pela relação materna em geral. A sua grande ligação espiritual a Maria, mãe de Jesus, é mais um sinal do seu particular respeito e Amor pelas mães de todo o mundo. Era frequente usar a relação materna em geral, como exemplo de Amor nos seus diálogos e pregações. Em relação ao pai, apesar do amor e respeito que nutria por ele, a relação não foi um exemplo e assim conheceu alguns episódios desagradáveis, nomeadamente quando Pietro prendeu Francisco na cave de sua casa para que este não pudesse sair para suas meditações, para visitar as leprosarias e para praticar caridade junto dos mais desfavorecidos. Outra passagem da história É natural, que a relação de pai e filho tenha sido afectada pelas longas ausências de Pietro. Francisco teve um irmão, de que a história pouco fala.
Francisco sempre fez por seguir os passos de Jesus Cristo. Não podemos deixar de falar sobre o nascimento de Francisco, e da forma como ocorreu.
Chegado o momento do parto, Dona Pica assistida por várias pessoas que ajudavam, teve muitas dificuldades e o nascimento da criança parecia se complicar.
Eis que batem à porta, e a criada ao atender depara-se com um mendigo que lhe transmite que a senhora da casa deverá dar à luz, no estábulo da casa, junto aos animais.
Dona Pica, ao saber do sucedido, pediu ajuda às criadas para a levarem até ao estábulo. Lá chegada, o nascimento da criança deu-se e foi lhe dado o nome de João. O pai, quando regressou, em homenagem à França, chamou Francisco ao seu filho.
Hoje, como se vê na foto, o estábulo da casa de Francisco foi transformado numa pequena capela, muito visitada pelos crentes e turistas de todo o mundo. Interessante, o episódio do nascimento de Francisco, que apesar de ser filho de uma família rica e abastada de Assis, nasceu junto aos animais, na palha do estábulo tal como Jesus.
LÍDER DA JUVENTUDE
Francisco era o líder da juventude de sua cidade. Alegre, amante da música e das festas, com muito dinheiro para gastar, tornou-se rapidamente um ídolo entre seus companheiros. Adorava banquetes, noitadas de diversão e cantar serenatas para as belas damas de sua cidade.
CONFLITOS ENTRE FEUDOS E COMUNAS
A Itália, como toda a Europa daquela época, vivia uma fase bastante conflituosa de sua história, marcada pela passagem do sistema feudal (baseado na estabilidade, na servidão e nas relações desiguais entre vassalos e suseranos) para o sistema burguês, com o surgimento das "comunas" livres (pequenas cidades), com seu comércio, artesanato e pequenas indústrias. Com o novo sistema, mudaram-se as relações. O poder dos senhores feudais passou a ser questionado e enfrentado pelos novos senhores, originários das comunas, a maioria deles constituída pelos comerciantes mais abastados, a exemplo de Pedro Bernardone.
Eram frequentes, nesta época, guerras e batalhas entre os senhores feudais e as emergentes comunas. Como todo jovem ambicioso de sua época, Francisco desejava conquistar, além da fortuna, também a fama e o título de nobreza. Para tal, fazia-se necessário tornar-se herói em uma dessas freqüentes batalhas. No ano de 1201, incentivado por seu pai, que também ansiava pela fama e nobreza, Francisco partiu para mais uma guerra que os senhores feudais, baseados na vizinha cidade de Perúsia, haviam declarado contra a Comuna de Assis.
Durante os combates, em uma tarde de inverno, Francisco caiu prisioneiro, sendo levado para a prisão de Perúsia, onde permaneceu longos e gelados meses. Para um jovem cheio de vida como ele, a inércia da prisão deve ter sido especialmente dolorosa! Somente seu espírito alegre, seu temperamento descontraído e seu gosto pela música o salvaram do desespero. Encontrava ainda forças para reconfortar e reanimar a seus companheiros de infortúnio.
Costumava dizer, em tom de brincadeira para seus companheiros: "Como quereis que eu fique triste, sabendo que grandes coisas me esperam? O mundo inteiro ainda falará de mim!"
Ao término de um ano foi solto da prisão, retornando para Assis, onde se entregou novamente aos saudosos divertimentos da juventude e às atividades na casa comercial de seu pai.
O INÍCIO DA CONVERSÃO
O clima insalubre da prisão, agravado pelos prolongados meses de inverno, haviam-lhe enfraquecido o organismo, provocando agora uma grave enfermidade. Depois de longos meses de sofrimento, sem poder sair da cama, finalmente conseguiu melhorar. Ao levantar-se, porém, não era mais o mesmo Francisco. Sentiu-se diferente, sem poder compreender a o porquê. A verdade é que a humilhação e o sofrimento da prisão, somado ao enfraquecimento causado pela doença, provocaram profundas mudanças no jovem Francisco. Foi o caminho que Deus escolheu para entrar mais profundamente em sua vida. Já não sentia mais prazer nas cantigas e banquetes em companhia dos amigos. Começou a perceber a leviandade dos prazeres puramente terrenos, embora ainda não buscasse a Deus. Na verdade, Francisco não nasceu santo, mas lutou muito para se tornar santo!
MAIS UMA GUERRA !
Francisco havia perdido o gosto pelos prazeres mundanos, mas conservava ainda a ambiçãoda fama. Por esse motivo, sonhava com a glória das armas e a nobreza, que se conquistavam nos campos de batalha.
Por isso, aderiu prontamente ao exército que o Conde Gentile de Assis estava organizando para ajudar o Papa Inocêncio III na defesa dos interesses da Igreja. Contou para isso com a aprovação entusiasmada do pai, que vislumbrava aí a oportunidade tão longamente esperada de enobrecer sua família. Deus, porém, lhe reservava algumas surpresas ...
Antes de partir, num impulso de generosidade, Francisco cedeu a um amigo mais pobre os ricos trajes e a armadura caríssima que havia preparado para si. Isso lhe valeu um sonho estranho: viu um castelo repleto de armas destinadas a ele e a seus companheiros. Francisco não conseguiu entender o significado do sonho. Pensou que estava, talvez, destinado a ser um famoso guerreiro! O fato é que o sonho não lhe saía do pensamento.
O CHAMADO DE DEUS
Ao chegar ao povoado de Espoleto, Deus tornou a lhe falar em sonhos, desta vez com maior clareza, de modo que ele reconheceu a voz divina que lhe perguntava: "A quem queres servir: ao Servo ou ao Senhor?" Francisco respondeu prontamente: "Ao Senhor, é claro!" A voz tornou a lhe falar: "Por que insistes então em servir ao servo? Se queres servir ao Senhor, retorna a Assis. Lá te será dito o que deves fazer!" Francisco entendeu, então, que estava buscando apenas a glória humana e passageira. Estava fazendo a vontade de pessoas ambiciosas e mesquinhas e não a vontade do Senhor do Universo.
RETORNO A ASSIS
Desafiando os sorrisos de desdém dos vizinhos e a cólera de Pedro Bernardone, contrariado em seus projetos, Francisco retornaou a Assis, dando prova da energia de seu caráter e do valor do seu ânimo, virtudes que se mostrariam valiosas mais tarde nos percalços de seu novo caminho.
Começou a longa busca e a longa espera: "O que Deus quer de mim? O que Ele quer que eu faça?" Era esse o constante questionamento de Francisco.
Sentia um vazio dentro de si, que as festas, farras, bebedeiras e guerras não conseguiam mais preencher. Estava inquieto e insatisfeito, mas não sabia bem por quê.
Em vão tentaram seus amigos atraí-lo outra vez para suas diversões, banquetes e trovas. Até o fizeram coroar, durante uma festa, como o "Rei da Juventude", mas nada disso o comoveu. Já não era isso que o atraía. Sua busca era outra ...
Para tentar desvendar os desígnios de Deus, passou a se dedicar à oração e à meditação. Percorria campos e florestas em busca de lugares mais tranquilos, em busca de respostas para suas dúvidas e inquietações. Para ele, tudo passou a ter outro sentido. Passou a enxergar as coisas com outros olhos e outro coração.
VIAGEM A ROMA
Em busca de respostas, decidiu viajar para Roma, isso no ano de 1205. Visitou a tumba do Apóstolo São Pedro e, indignado pelo que viu, exclamou: "É uma vergonha que os homens sejam tão miseráveis com o Príncipe dos Apóstolos!" E jogou um grande punhado de moedas de ouro, contrastando com as escassas esmolas de outros fiéis menos generosos. A seguir, trocou seus ricos trajes com os de um mendigo e fez sua primeira experiência de viver na pobreza. Voltou a Assis, à casa paterna, entregando-se ainda mais à oração e ao silêncio. A família e os amigos estavam preocupados com o jovem Francisco: o que lhe estaria acontecendo? Será que ainda estava em pleno juízo? Seu pai, então, não se conformava! Não era isso que ele tinha sonhado para seu filho! Indignado, forçava-o a trabalhar cada vez mais em seu estabelecimento comercial.
O BEIJO NO LEPROSO
Em 1206, passeando a cavalo pelas campinas de Assis, viu um leproso, que sempre lhe parecera um ser horripilante, repugnante à vista e ao olfato, cuja presença sempre lhe havia causado invencível nojo.
Mas, então, como que movido por uma força superior, apeou do cavalo, e, colocando naquelas mãos sangrentas seu dinheiro, aplicou ao leproso um beijo de amizade. Talvez a motivação para este nobre e significativo gesto tenha sido a recordação daquela frase do Evangelho: "Tudo o que fizerdes ao menor de meus irmãos, é a mim que o fazeis" (Mt 10,42). Falando depois a respeito desse momento, ele diz: "O que antes me era amargo, mudou-se então em doçura da alma e do corpo. A partir desse momento, pude afastar-me do mundo e entregar-me a Deus".
O CRUCIFIXO DE SÃO DAMIÃO - NOVO CHAMADO DE DEUS
Pouco depois, entrou para rezar e meditar na pequena capela de São Damião, semidestruída pelo abandono. Estava ajoelhado em oração aos pés de um crucifixo bizantino, que a piedade popular ali venerava, quando uma voz, saída do crucifixo, lhe falou: "Francisco, vai e reconstrói a minha Igreja que está em ruínas". Não percebendo o alcance desse chamado e vendo que aquela Igrejinha estava precisando de urgente reforma, Francisco regressou a Assis, tomou da loja paterna um grande fardo de fina fazenda e vendeu-a. Retornando, colocou o dinheiro nas mãos do sacerdote de São Damião, oferecendo-se para ajudá-lo na reconstrução da capela com suas próprias mãos.
Conhecendo o caráter de Pedro Bernardone, é fácil imaginar sua cólera ao ver desfalcada sua casa comercial e perdido o seu dinheiro. Não bastava já o desfalque que dava ao entregar gratuitamente mercadorias e alimentação para os "vagabundos" necessitados? Agora mais essa! E Francisco teve que se esconder da fúria paterna.
Certo dia saiu resolutamente a mendigar o sustento de porta em porta na cidade de Assis. Para Bernardone isso já era demais! Como podia ele envergonhar de tal forma sua família? Se seu filho havia perdido o juízo, era necessário encarcerá-lo! Assim, Francisco experimentou mais uma vez o cativeiro, desta feita num escuro cubículo debaixo da escada da própria casa paterna. Pelo que sabemos, depois de alguns dias, movida pela compaixão, sua mãe abriu-lhe às escondidas a porta e o deixou partir livremente para seguir o seu destino.
UMA DECISÃO CORAJOSA
Ao final de 1206, Pedro Bernardone, convencido de que nem as razões nem a força podiam torcer o ânimo de Francisco, decidiu recorrer ao Bispo, instaurando-se um julgamento como nunca aconteceu na história de outro santo. O palco do julgamento foi a própria Praça Comunal de Assis, junto à igreja de Stª Maria e à casa do bispo, bem à vista de todos.
Bernardone exigiu que seu filho lhe devolvesse tudo quanto recebera dele. Francisco, ciente da sentença de Cristo: "Quem ama o seu pai ou a sua mãe mais que a Mim, não é digno de Mim" (Mt 19,29), sem vacilar um momento se despojou de tudo até ficar nu, jogou os trajes e o dinheiro aos pés de seu pai, e exclamou: "Até agora chamei de pai a Pedro Bernardone. Doravante não terei outro pai, senão o Pai Celeste". O Bispo, então, o acolheu, envolvendo-o com seu manto.
Daquele momento em diante, cantando "Sou o arauto do Grande Rei, Jesus Cristo", afastou-se de sua família e de seus amigos e entregou-se ao serviço dos leprosos, tratando de suas feridas, e à reconstrução das Capelas e Oratórios que cercavam a cidade. Cada dia percorria as ruas mendigando seu pão e convidando as pessoas para que contribuíssem com pedras e trabalho na restauração das "Casas de Deus" que estavam em ruínas.
O LOUCO DE ASSIS
De alguns recebia apoio e incentivo. De muitos, o desprezo e a zombaria. No entender da maioria, o filho de Pedro Bernardone havia perdido completamente o juízo! E não só a garotada da cidade escarnecia dele, chamando-o de louco e outros qualificativos menos nobres.
Mais de uma vez sentiu-se tentado a voltar atrás, quando chegava à porta de seus antigos amigos; mas saía vitorioso nessas lutas entre o orgulho humano e o próprio ideal. Já alguns começaram a reconhecer nele traços do futuro santo, embora ele mesmo ainda não conhecesse claramente sua vocação.
Estava já terminando a restauração da última Igrejinha da redondeza, a capelinha de Santa Maria dos Anjos e perguntava-se o que faria depois. O que mais lhe pediria Deus? Não havia entendido ainda que a Igreja que devia restaurar não era a de pedra, mas a própria Igreja de Cristo, enfraquecida na época pelas divisões, heresias e pelo apego de seus líderes às riquezas e ao poder.
Devia ser aquele o ano de 1209. Certo dia, Francisco escutou, durante a missa, a leitura do Evangelho: tratava-se da passagem em que Cristo instruía seus Apóstolos sobre o modo de ir pelo mundo, "sem túnicas, sem bastão, sem sandálias, sem provisões, sem dinheiro no bolso ..." (Lc 9,3). Tais palavras encontraram eco em seu coração e foram para ele como intensa luz. E exclamou, cheio de alegria: "É isso precisamente o que eu quero! É isso que desejo de todo o coração!" E sem demora começou a viver, como o faria em toda a sua vida, a pura letra do Evangelho. Repetia sempre para si e, mais tarde, também para seus companheiros: "Nossa regra de vida é viver o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo"!
OS PRIMEIROS SEGUIDORES
A partir daquele dia, Francisco iniciou sua vida de pregador itinerante, percorrendo as localidades vizinhas e pregando, em palavras simples, o Evangelho de Cristo.
Muitos começaram, enfim, a compreender o sentido dessa vida e manifestaram o desejo de seguí-la. O primeiro foi um homem rico de Assis, Bernardo de Quintaval. Ao perguntar para Francisco: "O que devo fazer para seguir-te"?, este decidiu, como em todos os momentos decisivos de sua vida, recorrer ao Evangelho para que o próprio Cristo lhes desse a resposta.
O CAMINHO DO EVANGELHO
De manhã, bem cedo, foram ambos à missa. Pelo caminho juntou-se aos dois Pedro de Catânia, doutor em Direito e novo companheiro.
Por três vezes abriram o livro do Evangelho, e as três respostas que encontraram foram as seguintes:
"Se queres ser perfeito, vende o que tens e dá-o aos pobres. Depois vem e segue-me" (Mt 19,21).
"Não leveis nada pelo caminho, nem bastão, nem alforge, nem uma segunda túnica..." (Lc 9,3).
"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-me" (Mt 16,24).
"Isto é o que devemos fazer, e é o que farão todos quantos quiserem vir conosco" – exclamou Francisco, que subitamente viu brilhar uma luz sobre o caminho que ele e seus companheiros deveriam seguir. Finalmente encontrou o que por tanto tempo havia procurado! Isto aconteceu a 24 de fevereiro de 1208, dando início à fundação da Fraternidade dos Irmãos Menores.
No mesmo dia, Bernardo de Quintaval vendeu todos os seus bens e repartiu o dinheiro entre os pobres de Assis.
O PRIMEIRO SACERDOTE FRANCISCANO
O exemplo de Bernardo produziu frutos. O primeiro é o sacerdote Silvestre, que exclamou comovido: "Como posso eu, sacerdote e velho, ser menos generoso que estes jovens e ricos?" E, sem mais, lançou-se com eles na aventura de viver o Evangelho. Tornou-se, assim, o primeiro sacerdote da Ordem Franciscana!
Prontamente aderiram outros: Gil, um modesto lavrador que se tornaria um grande santo; Morico, dedicado ao serviço dos leprosos; Bárbaro, futuro missionário no Oriente; Sabatino, Bernardo de Viridiante, João de Constança, Ângelo, da ilustre família dos Tancredo, aparentado com reis e príncipes; Felipe, grande pregador; e muitos outros...
Juntos, formaram um grupo de mendigos voluntários (daí o adjetivo de Ordem Mendicante dado à Ordem Francicana), que trabalhavam e rezavam, cantavam e pregavam, maravilhando o povo com a novidade do Evangelho sendo vivido diante de seus próprios olhos. Algumas choupanas cobertas de folhagem, no pitoresco vale do Rivotorto, serviam-lhes de modesto abrigo.
A APROVAÇÃO DA IGREJA
No ano de 1210, Francisco e seus seguidores viajaram até Roma para buscar a aprovação do Papa para o seu modo de vida. Mas como aquele bando de mendigos, maltrapilhos e desconhecidos seria recebido pelo severo Inocêncio III? Francisco rezava e confiava. Afinal, não era o próprio Cristo que o estava conduzindo?
Por coincidência ou providência divina, encontrava-se em Roma, nessa ocasião, o Bispo de Assis, grande admirador de Francisco. Graças a ele o Papa os recebeu.
Inocêncio III ficou maravilhado com o propósito de vida daquele grupo e, especialmente, com a figura de Francisco, a clareza de sua opção e a firmeza que demonstrava. Reconheceu nele o homem que há pouco vira em sonho, segurando as colunas da Igreja de Latrão (a igreja-mãe de todas as Igrejas do mundo!), que ameaçava ruir. O Papa reconheceu que era o próprio Deus quem inspirava Francisco a viver radicalmente o Evangelho, trazendo vida nova a toda a Igreja, naquele tempo tão distanciada dos ensinamentos de Cristo! Por isso deu a seu modo de viver o Evangelho a aprovação oficial da Igreja. Autorizou Francisco e seus seguidores a pregar o Evangelho nas igrejas e fora delas e os despediu com sua bênção. Este fato histórico ocorreu a 16 de Abril de 1210, marcando o nascimento oficial da Ordem Franciscana.
Ao voltar de Roma, Francisco e seus companheiros resolveram ficar por uns tempos em Rivotorto. No lugar de Rivotorto, existia um pequeno casebre, cuja função era apoiar e dar abrigo aos viajantes que pontualmente passavam por ali.
A ÚLTIMA VIAGEM DE FRANCISCO
Recolhido naquele lugar, Francisco sentia-se feliz. A proximidade dos muros que ele havia restaurado e o aroma do bosque vizinho, o reconciliavam com seu passado e o faziam uma só coisa com a criação inteira. Essa cabana humilde era para ele como o melhor palácio. E não é que estivesse apegado a esse lugar. Ao contrário, agora, mais do que antes, tinha o coração desprendido de tudo. Porém sentia em seu íntimo o dever de ser cortês com tudo que Deus havia feito por ele, com tudo o que lhe havia presenteado.
Esta cortesia devia ser muito mais eloquente com seus amigos. Por isso, agradecia a fidelidade e a generosidade de todos os irmãos, começando pelo nobre e leal Bernardo de Quintavale, o primeiro que o Senhor lhe doou.
E como não lembrar-se de irmã Clara, a valente e doce, a dedicada e diáfana? Não podia partir sem enviar-lhe um pequeno recado que lhe expressasse seu carinho. Ditou para ela uma cartinha em que a exortava a perseverar em seus propósitos e lhe pediu que não se excedesse em jejuns e penitências que prejudicassem sua saúde.
Pensou também em sua amiga de Roma, em Jacoba Settesoli, a nobre viúva, que várias vezes o acolheu em sua casa, aquela que de tantas formas colaborou em seus projectos e que, em momentos difíceis, o animou em seu ideal. Estando naquele transe, desejou voltar a vê-la e a mandou chamar por meio de uma carta em que, para apressar sua presença, lhe pedia que trouxesse o indispensável para sua sepultura e alguns dos pasteizinhos de que tanto gostava. Dizem que a carta não chegou a seu destino porque pouco depois entrava a senhora Jacoba acompanhada de seus dois filhos, trazendo muitas coisas, mas, sobretudo, a solidariedade e a nobreza da mais fina amizade.
Essa semana chega ao seu fim e, com ela, as forças de Francisco. Sua vida se extinguia no sábado, 3 de outubro.
Nas primeiras horas do dia, pediu que lhe lessem o relato da Paixão de Jesus Cristo, segundo São João. Enquanto o faziam, lentamente, o enfermo quedava-se imóvel como esquecido de si mesmo. Muitos pensavam que já estivesse morto, mas quando terminou a leitura, voltou a falar para pedir um pão. Tomou-o em suas mãos trêmulas, o abençoou e o partiu imitando o gesto de Jesus na última Ceia, e o fez repartir entre os presentes. Quis dizer algo, mas não lhe brotavam palavras.
Em torno da cabana uma atmosfera tensa. Os irmãos não sabiam se orar pelo moribundo ou se interceder ao santo. Uns estavam de pé ao seu lado, solícitos ao menor de seus movimentos; outros, permaneciam de joelhos na capelinha da Virgem. De vez em quando o silêncio era interrompido pela melodia solene do Cântico das Criaturas que ia perder-se entre as árvores do bosque.
Eram cinco da tarde. Francisco suplicou que o desnudassem totalmente e o colocassem sobre a terra. Muitos resistiram em fazê-lo, mas por fim cumpriram seu último desejo. Então, com voz quase imperceptível começou a recitar o Salmo 142, que os irmãos acompanhavam lentamente. "Com minha voz clamei ao Senhor... ele é minha porção na terra dos viventes... Tira, Senhor, minha alma do cárcere, para que eu vá cantar teu nome, pois me esperam os justos e tu me darás meu galardão".
Quando terminou o Salmo, tudo permaneceu imóvel e em silêncio. Dizem que somente se escutava um leve rumor de asas.
Por todos os caminhos se espalhou a fama de que Assis tinha um novo Santo e nessa mesma noite o vale da Úmbria se viu entrecortado de riachos de luz. A explanada da Porciúncula tornou-se um lago de fogo. E nela ferviam as preces entremeadas com canções. Chorava-se a ausência de Francisco, ao mesmo tempo que se celebrava o Santo.
Sem conter os soluços, mas com devoção profunda, a irmã Jacoba de Settesoli ajudada por outros irmãos vestiu o cadáver com a mortalha que havia trazido. Apesar de sua palidez mortal, o rosto de Francisco não denunciava essa ausência interior que têm os cadáveres. Suas mãos, agora sem vendas e cruzadas sobre o peito, deixavam ver a cavidade arroxeada das chagas e umas protuberâncias negras semelhantes a cravos.
Pelo meio dia, o cortejo se pôs a caminho, em direção a Assis, mas desta vez, pela estrada de São Damião. Mais que um desfile fúnebre, aquilo parecia a primeira procissão do Santo. Ali, na primeira capela que ele havia restaurado, e à sombra do Crucifixo que iluminara sua existência, foi colocado o féretro durante longo tempo, mas não tanto quanto queriam Clara e suas irmãs, que rodeavam o cadáver, entre pranto e orações. Beijavam, suas feridas e permaneceram a seu lado até que a comitiva continuou a procissão.
O templo de São Jorge tornou-se pequeno para abrigar a multidão. Muitos recordaram que foi ali que o conheceram menino, quando recebia as primeiras lições e que ali mesmo fez sua primeira pregação aos assistentes. Ali, celebraram-se os funerais e ali deixaram enterrado seu corpo até que, quatro anos depois, foi trasladado para a Basílica construída em sua honra.
UMA ORDEM DE IRMÃOS
Cabe aqui ressaltar que a Ordem Franciscana foi criada como uma Ordem de Irmãos, que assumiam a missão de viver e pregar o Evangelho. Não era uma Ordem Clerical (Ordem composta por sacerdotes), como outras que já existiam. O próprio Francisco não quis ser sacerdote e os primeiros frades também não tinham esse objectivo. Desde o início, porém, como vimos pela história de Frei Silvestre, houve o ingresso de alguns sacerdotes já formados, que desejavam ser franciscanos. Algum tempo depois, sobretudo quando Santo António, professor de Teologia, ingressou na Ordem, passou a ensinar Teologia aos frades e alguns deles passaram a se ordenar sacerdotes. Mais tarde, devido principalmente às necessidades da Igreja, a maioria dos frades passou a se ordenar. Mas até hoje, dentro da ordem Franciscana, convivem como irmãos, em igualdade de condições, frades sacerdotes e não sacerdotes (estes chamados outrora de irmãos leigos, por não serem sacerdotes), cada um exercendo a sua função. Esse é, sem dúvidas, um dos aspectos mais belos da Ordem criada por São Francisco.
Obs.: A sigla O.F.M., que geralmente aparece depois do nome dos frades, quer dizer Ordem dos Frades Menores.
AS DIVERSAS ORDENS FRANCISCANAS
Durante os quase 800 anos que nos separam daquele belo início da Ordem, surgiram divergências devido às diferentes compreensões sobre a melhor maneira de continuar a viver o ideal franciscano. Alguns queriam viver exatamente como Francisco e seus primeiros seguidores. Outros sentiam a necessidade de adaptar a maneira de viver às exigências dos novos tempos. E assim começaram as divisões. Como conseqüência temos hoje quatro Ordens Franciscanas masculinas, chamadas de Primeira Ordem:
Ordem dos Frades Menores Conventuais. Sigla: OFM Conv
Frades da Terceira Ordem Regular. Sigla: TOR
FRANCISCO É AINDA O FUNDADOR DE MAIS DUAS ORDENS FRANCISCANAS:
A Ordem das Irmãs Clarissas – chamada de 2ª Ordem – destinada às religisosas reclusas (contemplativas), seguidoras de Santa Clara de Assis.
A Ordem Franciscana Secular – chamada de 3ª Ordem – destinada aos leigos, casados ou solteiros.
OFS - OS LEIGOS – SOLTEIROS OU CASADOS -TAMBÉM PODEM SER FRANCISCANOS !
Francisco não abriu caminho apenas para os Religiosos consagrados pelos votos de Pobreza, Obediência e Castidade (que fazem parte de uma Congregação ou Ordem Religiosa) viverem o Evangelho, mas também para leigos, casados ou solteiros.
Trata-se da Ordem Franciscana Secular, cuja sigla é OFS. É a maneira que Francisco encontrou para não excluir ninguém da possibilidade de ser seguidor ou seguidora de Cristo, à sua maneira. Na Ordem Franciscana Secular qualquer cristão ou cristã pode viver o ideal franciscano, fazendo parte de uma Fraternidade Franciscana. (Clique na expressão Ordem Franciscana Secular para abrir o site da OFS e obter maiores informações).
RAMO FEMININO DA ORDEM FRANCISCANA - AS CLARISSAS
Francisco, além de fundar a 1ª Ordem Franciscana (masculina), foi também o fundador da 2ª Ordem Franciscana, conhecida também por Ordem de Santa Clara, abrindo assim a vivência do ideal franciscano para o ramo feminino. A primeira religiosa franciscana foi a jovem Clara Offreduccio, mais tarde chamada de Santa Clara de Assis, jovem de família nobre e admiradora de Francisco desde que o conhecera como "Rei da Juventude" pelas ruas e festas de Assis. Passou a admirá-lo mais ainda, quando se tornou um inflamado pregador da alegria e da paz, da pobreza e do amor de Deus, não só através de palavras mas com o exemplo de sua própria vida.
Era isso precisamente o que almejava a jovem Clara. Não estava satisfeita com os esplendores do palácio de sua família, nem com o sonho do futuro enlace principesco ao qual seus pais a estavam encaminhando. Sonhava com uma vida mais cheia de sentido, que lhe trouxesse uma verdadeira felicidade e realização. O estilo de vida dos frades a atraía cada vez mais.
Depois de muitas conversas com Francisco, aos 18 de março de 1212, (Domingo de Ramos), saiu de casa sorrateiramente em plena noite, acompanhada apenas de sua prima Pacífica e de outra fiel amiga, e foi procurar Francisco na Igrejinha de Santa Maria dos Anjos, onde ele e seus companheiros já a aguardavam.
Frente ao altar, Francisco cortou-lhe os longos e dourados cabelos, cobrindo-lhe a cabeça com um véu, sinal de que a donzela Clara fizera a sua consagração como Esposa de Cristo. Nem a ira dos seus parentes, nem as lágrimas de seus pais conseguiram fazê-la retroceder em seu propósito. Poucos dias depois, sua irmã, Inês, veio lhe fazer companhia, imbuída do mesmo ideal. Alguns anos após, sua mãe, Ortulana, juntamente com sua terceira filha Beatriz, seguiu Clara, indo morar com ela no conventinho de São Damião, que foi a primeira moradia das seguidoras de São Francisco.
Com o correr dos anos, rainhas e princesas, juntamente com humildes camponesas, ingressaram naquele convento para viver, à luz do Evangelho, a fascinante aventura das Damas Pobres, seguidoras de São Francisco, muitas das quais se tornaram grandes exemplos de santidade para toda a Igreja.
As Irmãs Clarissas vivem um estilo de vida contemplativa, sendo enclausuradas. Quer dizer que não têm, normalmente, uma atividade pública no meio do povo, dedicando-se mais à oração, à meditação e aos trabalhos internos dos mosteiros.