Wolmir T. Amado
A enchente de São José, ou a festa na proximidade às últimas chuvas da estação. Foi assim que memorizamos a data da festa de São José, fixada no Calendário dos Santos sempre no dia 19 de março. Em nossa cultura São José é lembrado de muitos modos. Padarias, mercados, cidades, rios, escolas, paróquias, indústrias, marcas de produtos, com frequência escolhem São José como padroeiro. A principal escolha, entretanto, é a do nome José para os filhos. Recém-nascidos, logo se abrevia por Zé; depois, se pequenos Zezinho, se grandes Zezão. Em outros idiomas, a prática se repete. Em meio aos italianos, há muitos Beppes (Giuseppe). Na Bavária, os pais Raztinger batizaram o agora papa Bento XVI com o nome de José (Joseph). A simpatia e o fascínio pelo nome José estendem-se por centenas de culturas de origem latina ou anglo-saxônica. Que palavras e que gestos extraordinários terá falado e feito São José para que seu nome fosse um dos mais lembrados na história¿
A admiração por São José nasce de sua paternidade responsável, de seu companheirismo como esposo e de seu empenho como trabalhador. José foi o guardião de dois dos maiores tesouros de Deus na terra: Jesus, o filho de Deus e Maria, a bendita entre as mulheres. Acolheu, amou, cuidou e sustentou um filho não biológico; há dois mil anos, São José ensinou com seu exemplo que pai é menos um vínculo hereditário e mais um amor paterno responsável e provedor, que dá segurança para que o filho cresça “em graça e sabedoria”. Em época tardia, os artistas esculpiram a imagem de São José para que fosse sempre lembrado e invocado pela memória cristã. Na imagem, seus dois braços estão ocupados: um braço segura o lírio da pureza, o outro braço segura Jesus em seu colo. Nem teria sido preciso o lírio; homens que carregam filhos ao colo já se sabe que trazem consigo um coração cheio de amor.
A presença de José ao lado de Maria também é comovedora. Na longa viagem a Belém, ao lado de Maria. Na fuga para o Egito, protegendo a mãe e o menino. No dia em que Jesus, aos doze anos, se perdeu (Lc2, 41-52), lá estava o pai com Maria procurando o filho.“Teu pai” e eu te procurávamos, foi a bronca que Maria deu para Jesus. Assim foi o companheirismo de José. Seu amor esponsal de cônjuge revela a aliança de duas pessoas que vivem a comunhão solidária. José tinha por Maria um amor humano, tão humano que pareciaser divino! Quando morreu, certamente deixou em Maria um vazio humano tão grande quanto foi para ela, mais tarde, a morte de seu filho Jesus.
José foi trabalhador e ensinou Jesus a trabalhar. O evangelista Mateus (13,55) narra que Jesus era reconhecido como “filho de carpinteiro”. Com o trabalho de José a sagrada família ganhou seu sustento e o menino pode ser criado. Aquela carpintaria de Nazaré, portanto,também assegurou a realização das promessas messiânicas e a estadia de Deus na humanidade, Verbo feito carne que habitou entre nós.
Vivemos tempos ruidosos, povoados por redes sociais mundiais que multiplicam palavras em todas as direções. Experimentamos uma época marcada pela necessidade da máxima exposição e pela anulação da relação íntima e da privacidade. Seria muito comum, na placenta cultural onde habitamos, procurarmos conhecer quais foram as frases lapidares faladas por São José. Talvez, aqui, possa residir a principal frustração e o principal fascínio sobre o pai adotivo de Jesus: ele sempre fez silêncio, absoluto silêncio. Na anunciação, Maria disse o “faça-se em mim”; na anunciação noturna, em sonho, para José, ele não proferiu palavra alguma, apenas “fez como o anjo do Senhor lhe ordenara”(Mt, 1, 24). Na descoberta sobre a gravidez de Maria (Mt 1, 18-25) José, um homem justo, não foi com ela brigar. Teria sido uma briga vitoriosa, com a probabilidade de apedrejamento coletivo. Em silêncio, sem compreender o que havia acontecido, optou por deixar Maria em segredo, para que ela não ficasse exposta. Na cena evangélica de Jesus aos doze anos no templo, outra vez Maria fala e reclama. Outra vez, José faz silêncio. Por fim, também em silêncio José sai de cena. A tradição conta que José era idoso e que morreu quando Jesus ainda era novo. Mas a Bíblia silencia sobre a morte de José. Foi-se humildemente em silêncio...
O destaque dado ao silêncio de José não foi porque era emudecido, lhe faltavam palavras ou não superava a timidez. Um grande desígnio estava em questão. Era preciso “falar menos e fazer mais”, como se diz popularmente. Então, o humilde silêncio de José foi para marcar sua presença plena, atenta às necessidades, concentrada, focada.É o mesmo humilde silêncio requerido para quem deseja estudar e aprender, para quem faz pesquisa científica, para quem se concentra a fim de redigir uma matéria jornalística, para quem produz uma obra literária, para quem se cala para bem escutar e bem dialogar, para quem cultiva sua espiritualidade, para quem faz uma obra de arte, para quem na humildade cotidiana da vida faz grandes coisas. Por isso, “São José é o modelo dos humildes, que o cristianismo enaltece para os grandes destinos”(João Paulo II, Redemptoris Custos, 24). “Esta não deixou de ser a hora da palavra, mas tornou-se, com dramática urgência, a hora da ação” (Medellín, Introd.).
_______________________________________________________________________Wolmir Therezio Amado, reitor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e vice-presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras.