Rumos da Educação: desafios e esperanças
A recente tragédia ocorrida numa escola do Rio de Janeiro estarreceu o mundo. Crianças inocentes foram vítimas da fúria insana. Matadas covardemente, seus corpos sem vida provocaram o desespero inconsolável dos pais e a comoção de todos. Aquele espaço escolar, como tantos outros espaços protegidos simbolicamente como reservas de segurança e de cuidado, foi violado e dele verteu sangue, lágrimas e morte. Assim tem ocorrido com outros tantos espaços psicoculturais da sociedade. Em cidades pequenas, a droga chegou com efeito devastador; na zona rural, agricultores sofrem assaltos e idosos ficam desprotegidos; nas igrejas e nas famílias, a violência atinge fiéis, filhos e pais. Haverá ainda algum lugar protegido e seguro para viver?
Na ânsia por segurança, há muitas buscas e promessas de frágil solução. Muros cada dia mais altos, cercas elétricas, condomínios fechados, grades, fechaduras sofisticadas, contingentes enormes de segurança pública e privada, população armada, carros com janelas fechadas, alarmes, assim tem se acentuado esse jeito de viver nas últimas décadas. É nessa condição global que está situada a instituição escolar. Ela é formada por alunos e por educadores que trazem consigo os medos e as expectativas em que vive toda a sociedade. Por isso, a escola não é imune à violência; ainda mais, nela ressoam todos os problemas e controvérsias da vida.
Já no início da segunda década do século XXI, situa-se a escola de hoje num tempo de mudanças e na mudança dos tempos. Instaurou-se definitivamente a ‘sociedade do conhecimento’, na qual as ideias são o produto mais valioso a ser comprado e vendido. Os avanços da ciência e da tecnologia proporcionam soluções fantásticas, capazes de desafiar a longevidade e de manter todos simultaneamente desatualizados, devido à velocidade da informação e das descobertas científicas. As mudanças psicoculturais diversificaram as modalidades de vida em família e fizeram emergir sucessivas novas gerações, tão distintas e múltiplas entre si que se resolveu denominá-las por letras do alfabeto (geração x, y, z). E surgiram, com a internet, novas mídias e redes sociais, com novos desafios à capacidade de concentração, com nova percepção multifocal, com outra disposição para o ensino-aprendizagem.
Grandes são os desafios de época vividos pela escola. A vida urbana instaurou definitivamente uma condição citadina, com novas posturas e novos padrões de consumo. A vida no planeta “geme em dores de parto”, com o risco sempre mais crescente de que o aquecimento global e a imensa produção do lixo acelerem ainda mais a destruição total de toda a obra da criação. A equidade social só tem sido instaurada em condições de intervencionismo estatal, mas nenhum dos países mais ricos do mundo tem abdicado de fazer guerra quando seus interesses ficam ameaçados. Vivemos, enfim, numa situação bem mais grave que a ‘crise de valores’; experimentamos uma dissolução do ethos, um relativismo que indica o desmoronamento da construção civilizatória, uma destruição das bases que sustentam a vida da comunidade humana.
Diante desses complexos marcos situacionais, sobressaem-se cinco grandes tendências paradoxais. Cresce a tolerância para com as diferenças, mas simultaneamente crescem os indicadores da violência que todos aflige e ataca indistintamente; experimentam-se, no Brasil, melhores condições de emprego e renda, mas é caro o preço que o país paga com o analfabetismo funcional, resultado do descaso de décadas para com a Educação; temos maiores e mais diversificadas possibilidades de comunicação, mas experimentamos uma conexão virtual que provocou nova forma de solidão e de isolamento; obtivemos uma maior estimativa e uma melhor qualidade de vida, mas isso tem levado ao consumo acelerado, ao endividamento crescente e a confundir a propriedade dos bens como sinônimo de felicidade.
Diante de tão complexa situação, é preciso evitar o risco de formular um messianismo pedagógico, ou uma concepção de Educação redentora, capaz de superar todas as mazelas humanas. Entretanto, também é preciso reagir propositivamente, apontando de modo criativo para alternativas que coloquem, mais uma vez, a escola em posição de liderança civilizatória. Quatro aspectos, dentre muitos outros, devem perspectivar a Educação. Primeiro, quando toda a orientação social é para ter, a Educação precisa insistir em formar para ser. Ao invés de educar apenas para concorrer no mercado de trabalho, é preciso abrir os horizontes sobre o profundo significado antropológico do trabalho e sua incidência sobre o sentido de vida. Ao invés de apenas preparar para o vestibular, seria mais importante preparar para a vida, para a capacidade de reflexão, para a apropriação criativa dos conteúdos.
O segundo aspecto propositivo é orientar a Educação para que o ensino-aprendizagem possibilite o desenvolvimento das habilidades. Cada um traz consigo uma grande reserva de potencialidades. Todavia, há situações diversas e especiais – como o caso da dislexia, da escrita espelhada etc. –, que supõem o desenvolvimento de novas metodologias, novas linguagens e, sobretudo, de uma profunda confiança naquilo que os olhos não alcançam, mas que a capacidade intelectiva e a sensibilidade da compaixão poderão alcançar.
O terceiro aspecto importante é que a Educação, em todos os níveis, do ensino fundamental ao pós-doutorado, seja holística, integral, transdisciplinar. Todo bom processo educativo estabelece nexos e vínculos entre a dimensão científica, técnica, estética, ética, espiritual, ambiental e social.
Enfim, um quarto aspecto: a eficácia da Educação depende muito, especialmente na Educação Básica, da integração entre família e escola. Há muitos pais com grandes responsabilidades profissionais, que encontram tempo e atenção para a formação de seus filhos. E há pais com disponibilidade de tempo, mas que são indiferentes aos filhos e à escola. Também há educadores excessivamente autossuficientes, que dispensam a participação da família e da comunidade, ou que não foram preparados para exercer uma liderança que transcende a sala de aula.
Em Educação, temos um longo caminho a percorrer. Tempos inusitados requerem rumos inusitados, atentos à tradição, mas também capazes de esboçar novos horizontes ao futuro.
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*Wolmir Therezio Amado é reitor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.